(escrito e divulgado originamente no dia 14/8/13)
"mas afinal de que lado Célio está? Ele diz que não está do lado do foro do Eixo, mas mete pau no Arbex e pontua críticas à esquerda tradicional"
"mas afinal de que lado Célio está? Ele diz que não está do lado do foro do Eixo, mas mete pau no Arbex e pontua críticas à esquerda tradicional"
Bom, o lado que defendo é o do artista, simplesmente. O que mais temo é
qua os ataques ao FdE ganhem contornos anti-artistas. Por isso que
estou aproveitando um tópico de email: Abaixo da minha mensagem,o
artista Junior Pimenta comenta que a questão do FdE é a ponta do iceberg
da questão sobre a remuneração decente. Daí
que proponho o teste: abaixo da assinatura digital de Pimenta, tem
links, um dos links leva à reticências,
e aí se vê que esse projeto tem apoio do governo do Ceará. O teste é: o
que você achou? Se a reação for "Uai, ele critica o FdE mas também
recebe verba do governo...", aí mostra que você não tá entendendo
direito os artistas. O problema não são artistas, nem os coletivos de
artistas e nem redes, o problema é o modelo de rede adotado pelo FdE. no
caso, se Pimenta fosse filiado ao FdE, apreceria o logo do FdE e uma
parte da verba do governo do Ceará estaria indo para o FdE.
Pensando na história da esquerda vejo os artistas como acadêmicos..., ou ainda como
quilombolas. Explico: desde que começaram as manifestações, tem rolado
disputas de espaços, e uma certa confusão sobre o que significar falar
isso ou aquilo. Daí, que para se diferenciar dos nacionalistas, uma
menina declarou: "brasileira coisa nenhuma, sou indígena, quilombola!".
Historicamente essa fala é interessantíssima de ser analisada.
Atualmente a esquerda se identifica com quilombolas, gays, etc, mas na
década de 70 não era assim. Os comunistas diziam que as pautas das
minorias atrapalhavam, pois interessava mais pensar na revolução geral,
daí que a revista Lampião da Esquina(para público gay) não era bem vista
nem pela direita, nem pela esquerda (essa história está na entrevista com João Silvério Trevisan).
Quilombolas, então? A esquerda se dizia internacionalista, e portanto a
pauta quilombola era pior que a nacionalista, específico dentro do
específico, atrapalhava o internacionalismo e a reorganização geral da
sociedade. Enfim, as minorias não eram bem defendas pela esquerda da
época, daí que vemos hoje coisas como Fidel admitindo que perseguiu gays no passado.
Mas
voltando mais no tempo, se vê que no começo a esquerda tinha problemas
com a academia também. Marx estudou economia por fora da academia, pois
as universidades eram controladas diretamente pelos governos e Marx
nunca foi admitido como professor. Daí que em Marx/Engels é possível
encontrar textos anti-academia. Demorou muito para o marxismo entrar na
universidade, e havia um "muro" separando acadêmicos dos movimentos
sociais. Daí que os primeiros contatos eram vistos com desconfiança por
ambos os lados. "Por que os acadêmicos querem se aproximar do movimento?
Será que não é para se aproveitar de nós? O que eles vão trazer de
contribuição? Será que a contribuição deles não será apenas algo útil
deles para eles mesmos, se exibierem entre eles?" Essas deviam ser
algumas das perguntas. Vejamos: uma pessoa da academia pode se aproximar
de sem-terra, por exemplo, e produzir uma tese, o
movimento pode achar que embora o acadêmico diga que a tese em si é sua
contribuição, a tese só serviu para o acadêmico ganhar prestígio entre
os acadêmcios, e que nesse caso houve um "aproveitamento", o movmento
foi usado como "trampolim".
Hoje em dia a esquerda já tá tão acostumada com acadêmicos, que não vê
problemas quando eles falam numa linguagem tão difícil que só é
compreensível por seus pares, como se simplesmente se declarar um
acadêmico de esquerda bastasse e fosse elogioso
Já
os artistas, eu acho que não estão sendo ainda tão bem compreendidos. É
mais fácil o artista ser acusado de se aproximar dos movimentos por
interesses próprios do que os acadêmicos. "Mas para que serve essa
arte?" é uma pergunta mais comum do que "Para que serve essa tese?"
Aproveitando: menos comum ainda é perguntar ao jornalista: "para que
serve essa reportagem?". Do ponto de vista de um sem-teto por exemplo,
jornalistas, acadêmicos e artistas são pessoas que passaram um tempo
vivendo junto - alguns até gerando prejuízos, como comer a própria
comida do acampamento, outros fazendo pequenos trabalhos voluntários (e
eu diria que os jornalistas são os que acabam comendo a comida, e os
artistas os que fazem pequenos trabalhos voluntários, mas não vou
generarizar) - e no final podem acabar sendo vistos como aqueles que
subiram na carreira (jornalística, acadêmica, artística) se aproveitando
dos outros, ganhando até verbas (como bolsas de estudo e editais).
Espero
que a crítica ao FdE não ganhe contornos anti-artistas e que da mesma
forma como incorporaram as minorias e os acadêmicos, no futuro não haja
questionamentos do tipo "ah, mas os artistas se inseriram nos movimentos
para se sustentarem de verbas de editais, é o ganha-pão deles, é a
lógica capitalista" (lembrando que proporcionalmente poucos
trabalhadores são acusados de ganharem o pão e assim alimentarem o
capitalismo, a própria condição de trabalhador muitas vezes é endeusada
ao invés de condenada. "ah, mas o operariado é nota 10, ele é quem gera
valor, artista não", bem, mas a mesma crítica poderia ser feita aos
acadêmicos!). Lendo os relatos tanto de quem saiu do FdE, quanto de quem permancece dentro,
o que vejo são pessoas tentando ganhar a vida de alguma forma. E nesse
meio, editais e patrocínios são rotina, e não é possível a esquerda
querer que eles vivam de forma 100% doadores de si, como muitas vezes é
utopicamente pregado mas é inviável.
OBS:
Vai acontecer o 2° seminário "há machismo dentro da
esquerda?", discutindo sobre reprodução de opressões, reparem que
mulheres existem há muito tempo e esquerda idem, mas mesmo assim o
seminário tem ares de discutir coisa inédita. Daí que não posso deixar
de obervar um dos defeitos da esquerda: se hoje em dia, as minorias são
acolhidas, incorporadas, e o mesmo aconteceu com os acadêmicos, o que
não vemos são admissão de erros. Vemos pouco alguém dizer que errou, o
que vemos são pessoas dizendo "outros erraram, mas eu tava certo, eu era
dissedência na época". Talvez seja por isso que vemos toda hora
surgirem grupos novos de esquerda: ao invés de erros, parece até aquela
história do darwinismo de sobreviverem os que tavam certos desde o
começo, e esse grupo é que evoluiu angariando mais adeptos... Daí que os
que aceitam agora as minorias falam como se sempre tivesse sido assim
na esquerda e penso que isso atrapalha justamente pensar em incorporar
outros de fora, pensar em admitir
erros. Arbex (coitado, tô metendo o pau de novo) por exemplo ao invés
de pensar em incorporar novos elementos da contracultura, opõe
contracultura x velha luta de classes. "Não sou brasileira, sou
indígena, quilombola!" entonada para resgatar a velha opisição direita
nacionalista x esquerda, mas como se desde sempre esquerda e quilombolas
estivessem nessa luta contra a direita... é realmente um caso curioso!
(e até sugeriria para um antropólogo de esquerda colocar como tema de
estudo, que por sua vez poucos o criticarão pois o acadêmico será visto
como um cara que estuda a esquerda o que por si só seria elogioso, ou
como um simples cara que tá ganhando a vida honestamente)
Enviadas: Sábado, 10 de Agosto de 2013 18:35
Assunto: Re:O Fora do Eixo é uma organização voltada a si própria - por Arthur Taguti
Flávia,
Essa questão do Fora do Eixo, é a ponta a iceberg, é algo que deve ser repensado... Existe um grande risco
nesse processos de financiamento da cultura, onde na maioria das vezes, tem pessoas â frente, que não tem conhecimento,
nem interesse em cultura, e pensa apenas em números. E onde o dinheiro, vêm de isenção fiscal, na sua grande maioria.
O setor de marketing, pensa em quantidade... E acredito que não apenas as instituições privadas fazem isso ( com isenção
fiscal) como também o próprio governo em alguns casos. Vejo que é papel do governo apoiar principalmente iniciativas, que não
conseguem se inserir no campo mercadológico. Acredito num modelo, onde você possa atuar de maneira profissional onde todos
os envolvidos sejam pagos.
A algum tempo que só participo de projetos ganhando pro-labore, ou quando ninguém está ganhando nada, e se eu estiver
interessado também entro sem ganhar. Penso, que essa postura de cobrar respeito, tem que partir da gente também, das nossas
posições enquanto artistas.
Abraços e vamos em contato...
Enviadas: Sábado, 10 de Agosto de 2013 12:59
Assunto: O Fora do Eixo é uma organização voltada a si própria - por Arthur Taguti
Enviado por luisnassif, sex, 09/08/2013 - 21:00
Por ArthurTaguti
Comentário ao post "Mídia Ninja e Fora do Eixo: uma polêmica necessária"
Olha, o que me impressionou na
entrevista de Capilé/Torturra, bem como na réplica de integrantes do FdE
a Beatriz Seigner, é o uso obsessivo da metalinguagem. Enquanto Beatriz
parece uma amante da arte e aborda questões culturais em todo o seu
texto, as respostas, em sua maioria, centraram-se no FdE em si: nós,
nós, nós, nós, nós, nós.
Um trecho do já viral texto
dela é bem revelador. Ela diz: "e o meu choque ao discutir com o Pablo
Capilé foi ver que ele não tem paixão alguma pela produção cultural ou
artística, que ele diz que ver filmes é “perda de tempo”, que livros,
mesmo os clássicos, (que continuam sendo lidos e necessários há
séculos), são “tecnologias ultrapassadas”, e que ele simplesmente não
cultiva nada daquilo que ele quer representar. Nem ele nem os outros
moradores das casas Fora do Eixo (já explico melhor sobre isso)".
Assim, não é por nada não. Mas
como é que alguém que pensa que uma "bisoiada" no Wikipedia ou no
primeiro link digitado no Google pode substituir escritores que
desvelaram a alma humana, escreveram sobre temas universais como inveja,
medo, cobiça, amor, ódio, culpa, como Machado de Assis, Shakespeare,
Oscar Wilde, Dostoievski, e etc., pode se apresentar como um Mecenas da
Cultura?
Como é que pode alguém se apresentar como Mecenas, se considera
filme "perda de tempo"? Será que a sociedade digital tornará obsoleta as
lentes analógicas de Akira Kurosawa, Federico Fellini, Charles Chaplin,
Gláuber Rocha? Será que o apego ao "novo" o torna insensível a todas as
emoções humanas que a arte desperta?
Como é que MinC e diversas Secretarias Estaduais e Municipais
empregam milhões e milhões, para fomentar a cultura, em uma organização
manejada por alguém que não reconhece a atemporalidade e universalidade
da arte genuína (como os livros e os filmes clássicos)? Alguém que pensa
que a linguagem vista em "Crime e Castigo" ou "Memórias Póstumas de
Brás Cubas", ou até o culto a vida e ao amor em "Memórias de minhas
putas tristes" pode se tornar obsoleta, como se fosse um gadget
ultrapassado?
Por isto que chega-se a
inevitável conclusão que o FdE é uma organização voltada a si própria. E
não é ojerizando o novo não. Já disse muito aqui que sou fã do pessoal
do MPL, que deve ter seus defeitos (como qualquer outro movimento
social), mas tem um discurso político claro, uma estrutura
organizacional que nenhum ex-integrante - até agora - contestou com
tanta contundência a ponto de se tornal viral nas redes sociais.
Assim, vendo por este prisma,
já não me espanto mais com o desrespeito aos artistas, que não são
remunerados mesmo sendo o Coletivo muito competente em captar recursos
públicos e privados, e aos próprios empregados, que se dedicam 24/7, sem
carteira assinada, sem previdência social, sem FGTS, e ainda, segundo
Laís Bellini, ficam sujeitos a todo tipo de assédio moral, lavagem
cerebral e perseguição.
Isto porque o objetivo maior do
FdE parece ser a promoção da organização e dos seus dirigentes. Aí
entramos naquela discussão que os fins justificam os meios. Atua-se como
camaleão, metade estrutura empresarial bem articulada para captar
milionários incentivos, metade socialismo utópico (sem o socialismo)
para explorar empregados, não pagar cachê a artistas e ganhar a opinião
pública (inclusive com crowdfunding), sendo tudo moralmente permitido se
for para a realização do objetivo maior, promover esta estrutura que
eles crêem revolucionária.
Não é a toa o discurso
messiânico e autoconglatulatório. Tanto que a resposta do Torturra é
reveladora disto: "estou deprimido", "vocês não entendem o que fazemos",
pedindo até uma tolerância ao calote, tudo em prol do sucesso deste
modelo "novo".
Assim, com o poder público
empregando recursos a quem não cultua livros nem filmes, a consequência é
o que estamos vendo aí, a instrumentalização do discurso de promoção a
cultura, levando a sua desvalorização, pois se torna meio, moeda de
troca, para fins outros que não culturais.
Olha, eu gostava muito de
assistir o Mídia Ninja, curti para caramba o baile que eles deram no
Roda Viva, quando discutiram a velha mídia, mas, como dizem, nem tudo o
que reluz é ouro, e infelizmente o único novo que continuo admirando é o
MPL.